domingo, 12 de setembro de 2010

Síndrome da erupção dentária e suas manifestações clínicas na infância

"O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida." (Cora Coralina)


Aos pais que já levaram seus pequenos aos médicos com queixas típicas da idade como febre, irritabilidade e diarréia e, no simples ato de sugerir a possibilidade de haver qualquer relação dos sintomas com o nascimento da nova dentição, ouviu um grande e gracioso "NÃO" como resposta. Nesse momento eles te fazem acreditar que é mais fácil seu filho ter pego o vírus do ebola do que qualquer coisa que você venha a sugerir e, claro, te mandarão voltar dois dias depois ou assim que surgir qualquer novidade no quadro. Se você já passou por episódios do tipo uma ou mais vezes no seu longo (ou breve) currículo de tutor, vai gostar de saber que na ciência há quem acredite em nós e, melhor que isso, houve quem não só ouvisse a opinião de quem mais entende de criança (ou seja, as mães) como também procurou explicações científicas que justificassem esses achados.
Fresquinho, publicado em fevereiro de 2010, apresento alguns trechos de: Percepção de mães sobre a síndrome da erupção dentária e suas manifestações clínicas na infância, por Mota-Costa et al.


"A relação entre erupção dentária e o aparecimento de manifestações locais ou sistêmicas em crianças, tem sido polêmico, na percepção de pais, profissionais de saúde e literatura. Dentre os vários fenômenos clínicos que acompanham esse processo os principais são: irritabilidade, salivação aumentada, febre, diarréia, gengivite, redução do apetite, erupções cutâneas, tosse e vômitos, segundo inúmeros relatos encontrados na literatura.
Simeão e Galganny-Almeida investigou quais sintomas e sinais estão relacionados à  erupção e com que frequência e intensidade surgem (1). Foram realizados 100 interrogatórios com pais de crianças de 6 meses a 5 anos de idade e com 100 médicos pediatras, em Fortaleza-CE-Brasil. Dos pediatras, 93,9 % e 75,7 % das mães descreveram alterações na saúde das crianças durante o processo. As mais citadas foram irritabilidade, levar a mão à  boca, sialorréia, anorexia, febre, sono inquieto e diarréia.
No trabalho de Peretz et al., a diarréia foi a manifestação mais comum durante a erupção dental, atingindo 51 % das crianças do grupo em estudo, que mães e pediatras referiram ter observado (2). Noronha cita que alguns pediatras relacionam a diarréia à sucção digital em precárias condições higiênicas, o que estaria diretamente associado a infecções (3). Para Wake et al., a diarréia foi o único distúrbio que teve significância estatística (4). Bengtson et al. também encontraram associação da diarréia a 87,5 % das erupções observadas no seu estudo (5).
Sobre a febre, Macknin et al. (6) e Fogel (7) relacionam a mesma a reações inflamatórias que ocorrem na cavidade oral com participação de mastócitos e liberação de imunoglobulinas (IgE). Essa reação de hipersensibilidade poderia resultar em alterações toxêmicas como febre, que poderia ser causada por uma infecção herpética primária não diagnosticada. A maioria dos pediatras acreditam que os sinais e sintomas observados têm relação direta com a fase eruptiva da dentição decídua (8).
Na pesquisa de Aragão et al. com médicos e dentistas em João Pessoa-PBBrasil, 92,7 % dos profissionais afirmaram que o processo de erupção dentária pode gerar desconforto (9). O aumento da salivação é explicada pela maturação das glândulas salivares. A manifestação mais citada por 92 % é a irritabilidade, que demonstrou uma relação estatisticamente significativa com a inflamação gengival, além da inapetência e dificuldade para ingerir alimentos sólidos. A febre tanto pode ser pelo processo agressivo de dilaceração da gengiva gerando um quadro inflamatório, quanto pelo estresse causado pela erupção múltipla dos dentes com queda na resistência orgânica, deixando a criança propensa à infecções (9-12).
Fogel descreve associação clara entre a erupção dentária e sinais e sintomas apresentados por bebês, sendo a diarréia e febre as de maior incidência, tendo relatos de complicações para doenças mais graves, algumas levando até a óbito em menores de um ano, com alimentação deficiente ou mal nutridas (7). Há inúmeros relatos de Fogel sobre óbitos, cujo agravamento dos sinais e sintomas ligados ao processo eruptivo dentário não foram levados a sério. Lesões inflamatórias associadas ao prurido gengival, pericoronarite exsudativa ou supurada, foliculite expulsiva, gengivite eritematosa e estomatite ulcero-membranosa poderão estar associadas a erupção dentária e até acontecerem simultaneamente a uma gengivite herpética primária, devido a baixa imunidade da criança (7).
Existem diferentes correntes que tentam esclarecer os transtornos neste período. A 1ª considera a erupção dentária um processo fisiológico e os sintomas apresentados puramente coincidentes (12-16). A 2ª diz que, apesar de ser fisiológica, pode sofrer alterações e fazer-se acompanhar de desordens gerais ou locais (17-19). Fogel fundamentou baseado em revisão da literatura, associada a pesquisa de campo, que a erupção da dentição decídua não é tão inócua, quanto alguns médicos e odontopediatras acreditam (7). Por último autores afirmam existir uma evidente relação entre manifestações clínicas e erupção dentária (5,8,12).
Martins et al. (18) entrevistaram 121 mães de crianças com idades de 6 a 12 meses, em periodo eruptivo. A diarréia teve a maior incidência, seguida de febre, estado gripal e vômitos. Irritabilidade e dermatites também foram lembradas. O resultado do método estatístico de prova de contraste de hipóteses foi altamente significativo, o que demonstra, uma forte relação entre manifestações sistêmicas e erupção dentária, que chega acompanhada de dor, febre e mal estar, lembrando que apesar de fisiológica, existe uma forte pressão sobre os tecidos fibrosos da gengiva provocando lesões com consequente dor e processo inflamatório, que pode justificar o estado febril.
Para Martins et al., está claramente confirmado na literatura que a erupção dentária provoca transtornos locais e sistêmicos. é aconselhável que mães de bebês com síndrome de erupção, procurem o médico e realizem exames complementares, para descartar a ocorrência de outras doenças, que podem ser negligenciadas nesse período quanto ao diagnóstico e tratamento (18)."


E o autor conclui:



"Na verdade, a literatura não tem uma definição clara e efetiva a respeito do assunto e se divide em duas correntes, uma favorável e outra que desacredita numa influência direta. Alguns autores (6,10,11,13,19) se posicionam favoravelmente e dizem haver forte associação dos sinais e sintomas da erupção dentária, com distúrbios locais e sistêmicos. Outros como Savieiro (12), Crispim et al (16) e Wake et al., (4) discordam dessa relação direta e creditam essa sintomatologia que permeia a síndrome eruptiva dentária com modificações fisiológicas, relacionadas ao próprio desenvolvimento da criança. Apesar dessas correntes divergentes, os estudos que buscam e confirmam essa relação causa-efeito apareceram em maior número na literatura, numa busca retrospectiva acima de dez anos nas bases de dados existentes.
Na presente investigação, as mães primíparas e multíparas tiveram basicamente a mesma compreensão do processo eruptivo, ou seja, deixam claro que existe uma relação direta entre erupção dentária e sintomas clínicos, corroborando com Toledo (17), dentre outros, quando este admite que o processo de erupção, pode sofrer alterações e fazer-se acompanhar de desordens gerais e locais.
O que se percebe nas descrições das mães entrevistadas na sua maioria é que a sintomatologia está presente. O grande diferencial na percepção entre primíparas e multíparas, está na forma como esta compreensão foi apreendida. As primíparas reproduzem o conhecimento adquirido pelo senso comum, enquanto que as multíparas reproduzem este mesmo conhecimento, baseado na experiência adquirida com os filhos anteriores.
Embora o exato mecanismo da erupção dentária, com todas as alterações tissulares e imunológicas que o acompanham, ainda não esteja totalmente elucidado pela ciência, as evidências clínicas e as experiências vivenciadas pela maioria das mães ouvidas praticamente em todas as pesquisas relatadas no escopo desse estudo, apontam para a aceitação dessa relação causal direta.
Apesar de este ser um estudo qualitativo, que não possui perspectivas inferenciais, poderá ser ampliado para um número maior de sujeitos. Mais importante que isso é que os profissionais tenham uma posição firme, baseada em evidências fartamente colocadas pela literatura, da relação direta entre erupção dentária e sintomatologia geral, dando a devida atenção a cada paciente e as suas queixas. Orientações mais esclarecedoras deverão ser dadas por eles às mães e cuidadores, sobre o processo do desenvolvimento infantil, para que a criança atravesse esse período sem prejuízos à sua saúde, muitas vezes negligenciada em detrimento ao estigma que a erupção dentária carrega, de ser responsável pela grande maioria das doenças da primeira infância, o que nem sempre é verdade. Se esse período for bem compreendido e estudado pelo profissional haverá mais firmeza nos procedimentos prescritos, mais tranquilidade da mãe, menos sofrimento para a criança, proporcionando uma atenção à  sua saúde de forma adequada, esclarecedora e baseada em evidências científicas."




Ou seja, na hora que o pediatra do seu filho tentar te convencer que você é um burro de calças, mostre a ele que ele pode não passar de um cavalo de jaleco muito do desinformado. Em outras palavras: nem tudo o que é do popular é científico, mas tudo o que hoje é científico algum dia já passou pela mente de alguém que não fazia a menor idéia de como provar tal coisa, mas já percebia que havia alguma lógica nisso. Lição número 1: você mãe (pai) é a pessoa que mais conhece seu filho no mundo, não tenha vergonha de emitir sua opinião sobre o que quer que seja que se relacione a ele. Lição número 2: tente achar um bom pediatra (eu sei, é bem difícil, mas ainda existem algumas raríssimas e ótimas exceções!). Lição número 3: médicos não são deuses, não tenha medo de contestá-los, você pode estar com a razão. Lição número 4 (essa é para mim): serei condenada pela minha futura-presente classe por estar dizendo essas coisas aqui, mas apenas estou tentando prezar pela prática da boa medicina numa realidade em que os alunos praticamente estudam medicina em casa ou à distância.




"A dúvida é o princípio da sabedoria" (Aristóteles)






Mais informações: Percepção de mães sobre a síndrome da erupção dentária e suas manifestações clínicas na infância




MOTA-COSTA, Rossaana, MEDEIROS-JUNIOR, Antonio, ACIOLLY-JUNIOR, Horácio et alMothers perception of dental eruption syndrome and its clinical manifestation during childhood.Rev. salud pública, Jan./Feb. 2010, vol.12, no.1, p.82-92. ISSN 0124-0064.



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